sábado, 26 de junho de 2010

Falácias da corrupção e percepção da corrupção no Programa Bolsa Família: o caso do Paraná

Àqueles que insistem em chamar o Bolsa Família de bolsa esmola e dizem que o programa é eleitoreiro, dedico o artigo do Dr. Fabiano Mourão Vieira, Doutor em Economia (USP), Mestre em Economia (Unicamp) e graduado em Economia (Unicamp), publicado pela Revista da CGU - Controladoria Geral da União, ano IV, nº 7, dezembro/2009. Seguem trechos selecionados:


A partir de dados de 55 fiscalizações realizadas pela CGU Regional Paraná, é mostrado como no caso estudado o programa possui um baixo índice de corrupção.
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Em paralelo à crescente percepção de que o Programa serviria como ‘moeda de troca’ política, tecendo uma rede política clientelística, o Bolsa Família ganhou espaço negativo na mídia, por conta do sensacionalismo e da ideologia conservadora contrária a programas de distribuição de renda.
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Em busca de maximizar sua audiência, a imprensa favoreceu reportagens que enfatizam os casos extraordinários encontrados no PBF, como os casos isolados de corrupção, em que beneficiários possuem automóveis e casas luxuosas. Essas cenas são eficientes em colocar a opinião pública contra o PBF. Menos frequentes são as reportagens que denunciam as más condições de vida das populações pobres, e quase raras são as reportagens que documentam a importância dos benefícios na vida das famílias, principalmente mulheres e crianças.
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Entretanto, na realidade o PBF não se vincula à vagabundagem, uma vez que a grande maioria dos beneficiários são mulheres com filhos.
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Prado e Moassab (2007) mostram como a Revista Veja [grifo nosso] tem sido responsável em associar o Bolsa Família à corrupção. Essa revista diz que o programa é eleitoreiro, sendo bem-sucedido em associar as políticas assistencialistas ao governo federal. Também diz que o programa é assistencialista, em oposição a um programa emancipatório, que retiraria as pessoas da pobreza. Por fim, a revista contrapõe os beneficiários do bolsa família aos brasileiros que trabalham e pagam impostos, implicitamente associando os beneficiários à vagabundagem de modo geral.
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No entanto, a pesquisa de Oliveira et alii (2007) nega a hipótese de vagabundagem. Resultados mostraram que a participação no PBF, após o tratamento dos dados, tem como consequência uma taxa de participação 2,6% mais alta no mercado de trabalho. No caso específico das mulheres, a diferença encontrada foi de 4,3%.
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Por último, vale citar uma importante nota de Camargo (2006). Trata-se de um economista influente, que pertence aos quadros de uma empresa de consultoria enquadrada por muitos como neoliberal (Tendências Consultoria). Contraargumentando (sic) que não é um programa assistencialista, ele defende o Bolsa Família como uma espécie de bolsa de estudo, semelhante às bolsas de mestrado e doutorado. Argumenta, no que se refere à educação das crianças, que o principal custo para uma família pobre é a renda não auferida pelas crianças no mercado de trabalho no período de estudos. Do ponto de vista social, há um nível de investimento subótimo em educação no grupo de famílias pobres. Nesse sentido, desde que realizadas as condicionalidades, Camargo afirma não se tratar de um programa assistencialista, mas eficiente no combate à pobreza e à desigualdade, uma vez que propicia aumento do capital humano.
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Apesar da existência das análises positivas, grande parte da percepção da corrupção no PBF está associada ao conjunto de aspectos negativos propagados pelas pesquisas e meios de comunicação em modo geral. Criou-se a percepção de que se trata de um programa clientelístico, eleitoreiro, difusor da vagabundagem, incapaz de produzir melhorias por meio das condicionalidades e propenso às fraudes pela conduta oportunista dos cidadãos ao subdeclararem de renda. No próximo item, discutiremos esses aspectos negativos à luz das fiscalizações efetuadas pela CGU-PR no Paraná.
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Referindo-me especificamente a minha experiência pessoal de campo, nas mais de 200 famílias que eu entrevistei não ouvi nenhuma referência ao Governo Lula. O nível de conhecimento do Programa é muito baixo. As noções a respeito das regras do programa são mínimas. É muito frequente notar que as pessoas não sabem se o Programa é municipal, estadual ou federal. Além disso, mesmo em entrevistas realizadas em 2008, muitas informantes confundem o Bolsa Escola, do governo FHC, com o Bolsa Família, do governo Lula, o que certamente prejudica a suposta relação clientelística estabelecida pelo programa.
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Dos 55 municípios pesquisados, somente em 2 foram encontrados fraudes. Mesmo nesses, as fraudes foram de pequena magnitude. Envolveram apenas desvio no cadastramento das famílias pelo agente responsável pela inclusão no sistema. Nenhum caso foi constatado de existência de famílias abastadas que por decisão própria se candidataram e efetivamente foram incluídas como beneficiárias sem relação com o cadastrador ou a pedido de autoridade superior.
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Também inexistiu caso de corrupção na distribuição de cartões. O único problema identificado na Caixa Econômica Federal foi a retenção indesejada dos cartões, que não se configura, em hipótese alguma, como corrupção. Trata-se apenas de uma falha administrativa.
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É muito possível que o forte apoio que o presidente Lula recebeu em 2006 das populações em situação de pobreza, mesmo supondo uma análise racional, se deva a uma cesta de vantagens e benefícios mais diversa, em que o PBF seria apenas um fator, ao lado do aumento das rendas das famílias pobres e da queda dos preços dos alimentos.
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No que se refere à vagabundagem, que estaria associada ao programa, as pesquisas, com tratamento de dados, mostram que a participação no mercado de trabalho é até maior entre as participantes do programa. A pesquisa de campo não identifica ocorrência significativa de homens em condição de desemprego voluntário. Por último, o PBF é um programa para mulheres com filhos, na maioria das vezes. A maioria delas não tem condições de participar com eficiência do mercado de trabalho,
devido aos custos de cuidados das crianças. E nossa cultura aceita mulheres mães que não trabalham, não as taxando de preguiçosas ou vagabundas.
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As críticas apontam que os beneficiários, possivelmente agindo de modo corrupto, não estariam atendendo às condicionalidades. No entanto, a pesquisa de campo mostra que, quando possível, as famílias enviam seus filhos para a escola e levam ao posto de saúde. As poucas famílias que não cumprem as condicionalidades são justamente as mais problemáticas. Quando deixam de cumprir as regras, não há intuito de explorar a força de trabalho das crianças, como poderiam sugerir as teorias economicistas. As famílias que não cumprem, assim agem porque vivem em situação de miséria e problemas dos mais diversos, como alcoolismo, prostituição, drogas, violência doméstica e distúrbios mentais. São famílias desestruturadas, que não funcionam como unidade produtiva eficiente. São estas, em contradição ao programa, que justamente mais precisam dos benefícios e a da atenção da assistência social.
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Finalizando, são raros os casos de identificação de gestores corruptos no universo pesquisado. Nenhum caso foi encontrado de desvio dos cartões do PBF por parte das agências responsáveis pela distribuição dos mesmos. Também nenhum caso foi identificado de uso político da escolha dos beneficiários do Programa (por exemplo, definição de bairro em que os eleitores apoiam o prefeito. No caso das fraudes, elas são mínimas na amostra estudada. Dos 55 municípios pesquisados, apenas em 2 foi verificado fraude e, mesmo assim, em pequena extensão, realizada pelo cadastrador das famílias, sem aquiescência dos gestores.

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